A polarização política tem sido a marca registrada das últimas eleições brasileiras. Esse “fenômeno”, numa visão mais simplista, reduz as opções do eleitorado e limita o debate político a apenas dois grupos predominantes. Porém, outros aspectos comprometedores da democracia merecem atenção. Segundo estudiosos do tema, em uma sociedade concentrada em dois lados radicalizados, adversários são vistos como inimigos, o diálogo não é incentivado ou até mesmo condenado, e transgredir as regras parece justificável. Surge aí, a importância da terceira via. Em regimes democráticos, ela é o caminho para, pela união de forças, se escapar à polarização.
Dentro dessa conjectura e trazendo a pauta para Salvador, a maior cidade da Bahia com quase 3 milhões de habitantes, chamou atenção o levantamento feito pelo Instituto Paraná sobre a disputa eleitoral na capital baiana, divulgado neste último dia 23 de março. De acordo com a pesquisa, se a eleição de 2024 fosse hoje, o atual prefeito Bruno Reis teria 38,1% das intenções de votos, seguido pela deputada federal Lídice da Mata (PSB) com 10,2%. Depois, apareceram João Roma, presidente do PL na Bahia (7%), a deputada estadual pelo PCdoB, Olívia Santana (6,6%), e o vice-governador Geraldo Júnior ((MDB) com 4,5%. Na lista ainda contam Bacelar, deputado federal do PV Bacelar; o deputado federal Antônio Brito, pelo PSD, e o ex-prefeito João Henrique com 3,1%, 2,6% e 2,5% das intenções de voto, respectivamente.
A pontuação do ex-prefeito João Henrique, mesmo após ter deixado a prefeitura há 11 anos e ser o único político sem mandato a ser lembrado no levantamento (João Roma surfa na onda da polarização nacional e ainda colhe os frutos da visibilidade recebida com a candidatura ao Governo do Estado no último pleito), levanta algumas questões, principalmente porque as pesquisas são uma ferramenta fundamental para obtenção de informações valiosas para a elaboração de estratégias de campanha. Alguns analistas políticos se arriscam a explicar o episódio afirmando que a lembrança por políticos não detentores de mandatos pode ocorrer “pela história, imagem ou pelos feitos enquanto gestor”. Funcionaria como uma espécie de reconhecimento junto ao eleitorado e, por isso, aparecem como opções viáveis para uma nova disputa eleitoral.
João Henrique iniciou a carreira política em 1989, quando foi eleito vereador de Salvador. Foi reeleito em 1993, cumprindo metade do segundo mandato até 1994, ano em que foi eleito deputado estadual. Foi premiado pela imprensa especializada como o “Melhor Vereador do Ano” nos anos de 90, 91, 92 e 93, e em 1992 ainda foi homenageado pela UNICEF como “O Melhor Vereador da Cidade”. Foi reeleito deputado estadual nas eleições de 1998, quando recebeu o prêmio Destaque Parlamentar, e em 2002, foi o deputado estadual mais votado no pleito. Construiu uma carreira política como parlamentar, destacando-se na promoção de direitos dos consumidores, o que elevou sua popularidade para concorrer e vencer as eleições de 2004 para a Prefeitura de Salvador no segundo turno com 74,69% dos votos, derrotando César Borges, que havia sido governador do Estado da Bahia. Essa foi uma das primeiras derrotas do Carlismo no Estado. João Henrique foi reeleito para o segundo mandato e deixou a prefeitura em 2012. Ele também é filho de João Durval, considerado um dos principais nomes da história política de Feira de Santana, além de ter sido governador da Bahia e senador pelo Estado.
Nos bastidores, políticos comentaram a lembrança de João Henrique na Pesquisa Paraná. “Não podemos minimizar o que essas pesquisas podem traduzir, de fato, nas eleições. João Henrique derrotou todos os candidatos indicados pelo Palácio do Planalto nas eleições municipais de Salvador. Em 2004 venceu Nelson Pelegrino mesmo com apoio maciço do então presidente da República, que veio inúmeras à Salvador pedir voto para seu apadrinhado. O feito se repetiu em 2008, derrotando Walter Pinheiro. O mesmo valeu para as indicações do Palácio de Ondina. As influências de Lula e Wagner passaram longe de mudar a opinião dos eleitores da capital”, afirmou umas das fontes ouvidas. Outra afirmou que “João Henrique conquistou uma parcela importante do eleitorado como os servidores públicos, promovendo reajustes salariais históricos para a categoria. Sempre será lembrado carinhosamente por essas bases”. Teve quem dissesse que assim como no futebol, muitos eleitores estariam desmotivados com a polarização local, o que remeteria ao BAVI no campo de futebol, e por isso recorreram a terceira via.
Decerto que a pontuação de políticos sem mandato em pesquisas de intenção de voto não significa necessariamente que serão eleitos. Representa um indicador da preferência do eleitorado em um determinado momento, e muita coisa pode mudar ao longo do processo eleitoral. No entanto, a presença desses nomes demonstra que eles ainda permanecem vivo na memória de parte da população e serve como um alerta para a turma do “já ganhou”.
E essa luz vermelha parece estar se acendendo em todo o Brasil. Pesquisa IPEC divulgada no último dia 19 de março, que apontou que mais da metade dos entrevistados desejam uma terceira via política para evitar a polarização no Brasil: 57% das pessoas concordam totalmente ou em parte da afirmação de que gostariam que o país tivesse uma terceira via. Já 27% discordam totalmente ou em parte da afirmação. Há ainda 5% que nem concordam nem discordam; e outros 11% que não souberam ou não responderam. A pesquisa foi realizada entre os dias 2 e 6 de março de 2023, com 2 mil pessoas de 128 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%.