Câmara aprova flexibilização do licenciamento ambiental, governo Lula se esconde e disputa deve ir ao STF

A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17), o projeto de lei que flexibiliza e simplifica o licenciamento, sob a missão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mesmo diante dos apelos da ala ambiental, liderada pela ministra Marina Silva, para que a proposta fosse rejeitada.

A matéria teve 267 votos a favor e 116 contra, enquanto a liderança do governo liberou sua bancada para se posicionar como quisesse. O governo, o PT e o PSOL orientaram contra a proposta. O texto agora segue para ser sancionado ou vetado por Lula.

Os deputados já preveem, porém, que o tema deve ser mais um a parar no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que durante a sua tramitação diversos parlamentares apontaram possíveis inconstitucionalidades.

O projeto foi o último a ser analisado antes do recesso legislativo e a discussão começou madrugada adentro. A Casa já estava vazia, porque o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), liberou os deputados para votarem remotamente nesta semana.

A sessão terminou às 3h40, após os deputados terem rejeitado os destaques apresentados —tentativas de mudar o texto do projeto.

A votação ocorre num dia de derrotas para o Congresso, com o veto do governo ao aumento do número de deputados e a retomada parcial do decreto de Lula sobre o IOF no STF.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), elogiou o diálogo com o relator do texto, Zé Vitor (PL-MG), mas disse que faltaram alguns pontos a serem contemplados e orientou o voto contrário à matéria. Ele também disse que trabalhou para o adiamento da votação sem sucesso

“Faltaram alguns pontos essenciais na negociação política, como descentralização, enfim. Lutei muito para que fizéssemos diálogo e debate, e fosse para a primeira quinzena de agosto. (…) Não foi possível, também isso não entendo como sendo o fim do mundo. O Parlamento é democrático”, disse Guimarães.

“Vamos encaminhar voto contrário ao relatório. Fazemos isso no maior grau de respeito”, completou.

Durante toda a tramitação da proposta, o governo se esquivou de uma posição clara. Na votação no Senado, liberou a bancada, e grande parte da base foi favorável ao texto.

Foi criado um grupo para discutir o tema, mas as posições de Marina Silva contra o projeto não foram endossadas, diante do apoio de outros ministros, como o próprio chefe da Casa Civil, Rui Costa, além de Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Portos e Aeroportos) e Renan Filho (Transportes).

A votação do texto ocorreu sob protestos dos partidos de esquerda e tentativa de interferência para que não ocorresse na madrugada desta quinta.

“Ele divide inclusive o setor produtivo, que cada vez mais está se manifestando sobre a possibilidade de judicialização que este projeto pode causar, porque ele tem várias inconstitucionalidades”, disse a líder do Psol, Talíria Petrone (Psol-RJ).

A sigla avalia acionar o Supremo. Críticos apelidaram o projeto de “mãe de todas as boiadas” e “PL da Devastação”.

“Apresentamos um conjunto de propostas que não foram acatadas [durante a tramitação do projeto]. Queremos o tempo necessário para construir alternativas, as alternativas não se constroem de uma hora para outra”, disse Marina Silva, antes da votação.

A ministra também disse que a aprovação do projeto neste momento é ainda mais grave, por ocorrer a quatro meses da COP30, conferência de clima da ONU (Nações Unidas), em Belém (PA).

Na Câmara, os deputados mantiveram no texto todos os pontos criticados pelos ambientalistas: a LAE (Licença Ambiental Especial), dispositivo revelado pela Folha e apadrinhado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Esse mecanismo permite ao Executivo, por motivos políticos, escolher empreendimentos classificados como estratégicos, que passam por análise mais simples e rápida, de etapa única e com prazo de um ano, independentemente do seu potencial impacto ambiental e do uso de recursos naturais.

Como mostrado à Folha, este último dispositivo pode contribuir, por exemplo, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, empreendimento criticado por Marina, mas defendido pelo senador e inclusive por parte do governo federal, inclusive o presidente Lula, além dos ministérios Minas e Energia e a Casa Civil.

Também foi autorizado no texto a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), autorização concedida sem análise individual desde que o empreendedor se comprometa a aderir às condições pré-estabelecidas —e que vale para casos de pequeno e médio porte.

O resultado até aqui foi que por um lado, há uma tentativa da direção da Casa de acelerar todas as votações, ao mesmo tempo que o plenário fica vazio e blocos tentam obstruir o andamento da pauta em razão do debate.

Além disso, a sessão desta quarta foi extremamente tumultuada pela ocorrência dos parlamentares à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que derrubou parcialmente o projeto do Congresso que revogou o aumento no IOF (Imposto sobre Operação Financeira).

Os críticos do projeto de licenciamento ambiental afirmam que ela é flexível demais e que o melhor seria restringi-la a casos de menor impacto.

A necessidade de atualização do licenciamento é consenso em praticamente todos os setores, mas há divergências diametrais em como acontece.

O atual projeto é defendido pelo agronegócio e por parte da indústria, sob argumento de aumentar a segurança jurídica, mas muito criticado por ambientalistas. Este segundo grupo afirma que o texto é flexível demais e, ao dar mais autonomia aos estados e municípios para emissão de licenças, pode gerar disputas entre diversos órgãos ambientais.

“Se cada estado determinar o que é risco ambiental de forma diferente na sua unidade da federação, isso vai criar um processo de questionamento jurídico, de judicialização, generalizado. E o rio não muda porque está no Espírito Santo ou em Minas Gerais, os cuidados ambientais têm que continuar sendo os mesmos”, disse Marina, antes da votação.

Sua lógica é unificar a legislação para as licenças, simplificando processos e aumentando a produtividade a quem descumprir as regras, ao mesmo tempo que esvazia mecanismos consultivos a comunidades afetadas e gestores de áreas de preservação, e o poder do Conselho Nacional de Meio Ambiente.

O texto foi aprovado na Câmara pela primeira vez em 2021 e, no Senado, passou após diversas modificações, inclusive a inclusão da mineração dentro do escopo dessa nova regra geral de licenciamento.

No retorno à Casa original, houve divergências sobre o tema inicialmente, mas ao final, o setor foi interrompido na proposta.

Além de Foz do Amazonas, o projeto também beneficia a ampliação de rodovias, o que pode contribuir para o desmatamento, já que as estradas são vetores de destruição de florestas. Também impulsiona obras do Novo PAC e a mineração.

Também revoga trechos da Lei da Mata Atlântica e restringe quais áreas protegidas que devem ser consideradas na análise ambiental apenas às Terras Indígenas homologadas (fase final da demarcação) e Territórios Quilombolas titulados (oficializados), excluindo processos de regularização em andamento.

Também é criada uma lista de setores isentas do licenciamento, por exemplo, diversas áreas do agronegócio ou do saneamento básico — neste último ponto, a Câmara acrescentou a definição de que esse benefício vale até que o acesso ao serviço seja democratizado no Brasil.

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