Bahia avança no debate sobre analgesia peridural no parto com seminário internacional

Diante das altas taxas de cesarianas no Brasil e das desigualdades no acesso a tecnologias que garantem conforto e segurança às mulheres durante o parto, a ampliação da analgesia peridural ganhou centralidade no debate sobre a qualificação da atenção obstétrica no Sistema Único de Saúde (SUS). Foi nesse cenário que Salvador sediou, nos dias 18 e 19 de dezembro, o II Seminário Franco-Brasileiro sobre Analgesia Peridural no Parto, reunindo gestores públicos, profissionais de saúde e pesquisadores do Brasil e da França para discutir caminhos concretos de ampliação desse cuidado na rede pública.

O evento aconteceu no Auditório Lúcia Alencar, na Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), e integrou o Projeto de Ampliação da Oferta da Analgesia Peridural no Parto em Maternidades Brasileiras, coordenado pelas pesquisadoras Dra. Maria do Carmo Leal, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e Dra. Mônica Almeida Neri, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). A proposta é garantir às mulheres atendidas pelo SUS um parto mais seguro, confortável e humanizado, contribuindo para a redução de cesarianas sem indicação clínica.

Cesáreas em excesso: um desafio de saúde pública

O debate ocorre em um contexto preocupante. O Brasil apresenta uma das maiores taxas de cesarianas do mundo, muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que indica percentuais entre 10% e 15% no plano populacional. Atualmente, mais da metade dos nascimentos no país ocorre por via cirúrgica, com estimativas que variam entre 56% e quase 60% dos partos registrados.

Embora a cesariana seja um procedimento essencial e salvador em situações específicas, evidências científicas apontam que, quando realizada sem indicação clínica, está associada a maiores riscos de complicações maternas e neonatais, incluindo hemorragias, infecções, complicações anestésicas e impactos negativos em gestações futuras. Estudos epidemiológicos realizados no Brasil indicam que o risco de morte materna pode ser quase três vezes maior após cesarianas quando comparadas ao parto vaginal em mulheres sem comorbidades.

Analgesia como direito e estratégia de cuidado

Para a médica e pesquisadora Dra. Mônica Almeida Neri (ISC/UFBA), ampliar o acesso à analgesia peridural representa um avanço fundamental na atenção obstétrica. “A dor não pode ser naturalizada como destino das mulheres durante o parto. Ampliar o acesso à analgesia peridural é reconhecer o direito ao cuidado, ao conforto e à segurança, sem abrir mão do parto vaginal e da fisiologia do nascimento”, afirma.

Apesar de amplamente ofertada em países como a França — onde cerca de 80% das mulheres utilizam analgesia peridural e a taxa de cesarianas se mantém em torno de 20% há décadas —, a prática ainda é pouco disponível de forma regular no SUS, especialmente fora dos grandes centros urbanos. Essa limitação contribui para o medo do parto vaginal e para a prática excessiva de cesarianas desnecessárias.

Cooperação internacional e troca de experiências

A pesquisadora da Fiocruz, Dra. Maria do Carmo Leal, destacou o caráter estratégico do encontro. “Mais do que um evento técnico, este seminário representa um passo decisivo para transformar a experiência do parto no Brasil, garantindo que mulheres baianas possam vivenciar esse momento com menos dor, mais segurança e mais respeito — fortalecendo o parto vaginal como uma escolha possível, desejável e segura no SUS”, ressaltou.

O seminário contou com a participação de especialistas franceses dos Centros Hospitalares Universitários de Angers e Lille, referências internacionais na oferta segura e integrada da analgesia peridural durante o trabalho de parto. As mesas temáticas abordaram monitorização materna, manejo clínico da analgesia, possíveis complicações, mitos e verdades, além da atuação multiprofissional, com destaque para o papel das enfermeiras obstétricas (sage-femmes) no modelo francês.

Maternidades elegíveis e fortalecimento da rede

Durante o encontro, foram apresentadas e discutidas maternidades públicas elegíveis para a ampliação da oferta da analgesia peridural na Bahia, a partir de critérios técnicos como volume de partos, estrutura assistencial, composição das equipes multiprofissionais e capacidade de qualificação dos processos de cuidado.

Entre as unidades destacadas estão a Maternidade Maria da Conceição de Jesus, no Subúrbio Ferroviário de Salvador; a Maternidade José Maria de Magalhães Neto; a Maternidade Tsylla Balbino; a Maternidade do Hospital Geral Roberto Santos; a Maternidade Regional de Camaçari; o Hospital Materno-Infantil Dr. Joaquim Sampaio, em Ilhéus; e a Maternidade do Hospital Regional de Juazeiro.

As unidades representam diferentes realidades da rede estadual, contemplando capital e interior, e evidenciam o potencial de expansão do projeto de forma regionalizada, planejada e equitativa.

Visita técnica consolida abordagem prática

No segundo dia do seminário, a comitiva franco-brasileira realizou uma visita técnica à Maternidade Maria da Conceição de Jesus, localizada no Subúrbio Ferroviário de Salvador, uma das unidades elegíveis para o projeto. Durante a visita, gestores, pesquisadores e especialistas internacionais puderam conhecer in loco a rotina assistencial da unidade, avaliando estrutura física, fluxos de atendimento, processos de trabalho, organização das equipes e práticas de cuidado durante o trabalho de parto.

A atividade permitiu uma troca direta de experiências entre as equipes brasileiras e francesas e contribuiu para uma análise concreta das condições reais de implantação da analgesia peridural no contexto do SUS, respeitando as especificidades da rede pública e o perfil das mulheres atendidas.

Bahia na vanguarda da atenção obstétrica

Para o Brasil — e, de forma especial, para a Bahia — a cooperação técnico-científica internacional representa uma oportunidade concreta de qualificação da rede de maternidades, fortalecimento da atenção obstétrica e redução das desigualdades no acesso ao cuidado, com foco na equidade, nos direitos reprodutivos e no enfrentamento do desrespeito e abuso durante o parto em instituições de saúde, que atinge de forma desproporcional mulheres negras.

O encontro reforça o compromisso das instituições envolvidas em avançar na construção de políticas públicas baseadas em evidências científicas, garantindo que alívio da dor no parto não seja privilégio, mas um direito, contribuindo para um SUS mais humano, seguro e justo.

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